Os recentes eventos climáticos que transformaram a paisagem do Rio Grande do Sul num grande campo alagado, com cidades inundadas, casas, ruas e pontes destruídas, vidas em perigo, milhares de desabrigados, incontáveis feridos e dezenas de mortos carregam consigo uma força devastadora capaz de afetar a mente humana como traumas que se assemelham aos vividos pelos combatentes de Guerras. Não bastassem os registros dessa agonia momentânea e os seus consequentes prejuízos humanos e materiais, pelas dimensões do desastre já se pode antever uma outra tragédia humanitária de proporções que sequer podem ser projetadas no momento. As grandes catástrofes climáticas mundiais do nosso passado recente nos mostram isso de maneira muito clara. Esse é o momento de estruturar as ações necessárias para atender essa parcela da população que carregará pela vida toda as marcas desse evento jamais visto em nosso país.
A dinâmica de tragédias climáticas, dependendo do seu potencial destrutivo, costumam seguir um mesmo roteiro. A cobertura midiática atrai o público e serve como forma de mobilização das forças de evacuação e resgate. Porém, costumam durar semanas e depois o assunto só volta à tona de forma mais localizada. Para governos a questão se prolonga até que as obras de infra estruturas sejam recuperadas ou refeitas. Para uma parte das famílias as preocupações vão diminuindo à medida em que a rotina volta a ser estabelecida. No entanto, para uma outra parcela significativa da população a vida nunca mais será a mesma. Muito além dos prejuízos materiais, ficam registros que degradam a saúde mental de forma devastadora.
Não muito distante, desastres ocorridos no Brasil, como o rompimento da barragem em Brumadinho (MG) e em Mariana (MG), foram objetos de estudos considerando os impactos sobre a saúde física e mental da população atingida. Nele, segundo a Fiocruz, em Brumadinho houve uma preocupação quanto ao agravamento de doenças crônicas e os impactos sobre a saúde mental. Apesar dos esforços para atender a população atingida, foi difícil fornecer o atendimento necessário para pacientes hipertensos, diabéticos e que necessitam de hemodiálise, por exemplo. Além disso, a falta de assistência às pessoas que necessitam de cuidados especiais, somadas à perda de familiares, amigos e bens materiais durante o desastre causaram danos emocionais que continuam fazendo vítimas até hoje.
Em outra pesquisa, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dois anos após a tragédia em Mariana (MG), constatou que quase 30% da população atingida apresentava sintomas associados à depressão. Esse índice é quase cinco vezes maior do que o observado no restante da população brasileira. Outros 32% apresentaram transtorno de ansiedade, sendo uma média três vezes superior à população brasileira em geral. Tais números, se forem levados em conta que mais de 235 cidades gaúchas foram parcial ou totalmente destruídas, mostram o desafio gigantesco que se apresenta num futuro muito breve. São centenas de milhares de Gaúchos cujas vidas foram negativamente impactadas e podem ter que conviver com doenças relacionadas a este evento por anos, quando não pela vida toda.
No Brasil, desastres naturais, como enchentes, deslizamentos de terra e secas, são eventos recorrentes que impactam milhões de pessoas a cada ano. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), o Brasil registrou mais de 11 mil desastres naturais entre 2000 e 2020, afetando cerca de 20 milhões de pessoas. Apesar da relevância do assunto, as medidas necessárias para prevenir, socorrer e tratar cada um desses eventos parecem denunciar uma constante desorganização dos órgãos governamentais em todas as instâncias. Tanto no nivel municipal, estadual e federal. A cada nova catástrofe, sente-se a falta de um protocolo de atendimento das situações e as disputas políticas e midiáticas parecem determinar o tamanho e a forma que os necessitados serão assistidos.
Diante do impacto desse evento significativo ocorrido no extremo Sul do Brasil e a percepção das consequências dos desastres naturais na saúde mental, é crucial implementarmos abordagens eficazes de intervenção e apoio psicossocial para as populações afetadas. Isso inclui o fornecimento de serviços de saúde mental acessíveis e culturalmente sensíveis, o treinamento de profissionais de saúde para identificar e tratar problemas de saúde mental após desastres naturais e o fortalecimento das redes de apoio comunitário.
Para que essa tragédia não se transforme apenas em lembranças tristes e traumas presente naqueles que sobreviveram, é essencial que governos, organizações de saúde e comunidades locais reconheçam e abordem o impacto psicológico que eles produzem. E assim fornece apoio adequado e recursos para aqueles que foram afetados. Ao priorizar a saúde mental em resposta aos desastres naturais, podemos ajudar a promover a resiliência e o bem-estar das comunidades em tempos de crise. Garantindo uma melhor preparação quando outro evento parecido com este nos atinja.