A Ansiedade nossa de cada dia

“A ansiedade patológica é a droga mais destrutiva que a modernidade incorporou ao cotidiano da humanidade. Pois ela está incrivelmente ligada aos hábitos desse tempo. Vivemos uma expectativa de futuro que nunca chega, nunca basta.” 

Paulo Lovi – Psicanalista

Os Transtornos de Ansiedade, sem exagero, são hoje o principal problema de saúde pública mundial. Muito além das demais doenças epidêmicas, os Transtornos de Ansiedade ultrapassam de longe as estatísticas oficiais. Quantitativamente, segundo pesquisas e números oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS) a ansiedade atinge cerca de 300 milhões de pessoas no mundo. Já o Brasil, que lidera essa estatística, tem quase 10% da sua população atingida pela ansiedade patológica, somando quase 20 milhões de pessoas, segundo pesquisas da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Mas uma rápida análise ao redor de cada um é possível verificar que traços de ansiedade são visíveis em muito mais pessoas ao nosso redor. Por isso é preciso entender, tratar e falar sobre esse assunto de forma crescente.

Primeiro aspecto é não demonizarmos essa palavra. Pois a ansiedade é um impulso natural dos seres humanos e contribui de forma positiva no aspecto evolucionário da espécie. Ela está na base das nossas capacidades de antecipar problemas futuros. A ansiedade positiva nos inquieta de tal forma que impulsiona em busca de novas  conquistas. Ela também nos deixa prontos para lutar ou fugir em situações-limite, quando nossa segurança ou existência é colocada em risco. A ansiedade está na raiz de atividades que exigem que o sistema de alerta esteja ligado e atento a perigos iminentes. Então atividades relativamente simples como cozinhar e dirigir, possuem em sua origem, uma dose de ansiedade positiva para que possamos atingir nossos objetivos.

No outro extremo, porém, encontramos os Transtorno de Ansiedade que se apresentam de forma patológica (doentia). A história da ansiedade como uma doença reconhecida pelo meio científico tem uma narrativa complexa, entrelaçada com avanços na compreensão da mente humana e mudanças nas atitudes sociais em relação à saúde mental. Embora a ansiedade tenha sido uma companheira constante da humanidade ao longo da sua história, a identificação dela como uma condição médica distinta é um fenômeno relativamente recente.

A ansiedade, na forma de preocupações excessivas, medos irracionais e sintomas físicos como palpitações cardíacas e sudorese, já foi documentada em textos antigos, como os escritos de Hipócrates na Grécia Antiga. No entanto, a concepção moderna de ansiedade como uma condição clínica começou a emergir no final do século XIX e início do século XX.

Um marco crucial nesse processo de entendimento acerca da ansiedade na sua forma patológica foi a publicação do “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais” (DSM) pela Associação Americana de Psiquiatria. Na primeira edição do DSM, lançada em 1952, essa condição foi listada como “reação neurótica de ansiedade”. Uma categoria diagnóstica, refletindo um reconhecimento crescente da ansiedade como uma condição médica legítima, mas ainda não sendo reconhecida na forma como é hoje..

Foi somente na revisão do DSM-III, lançada em 1980, que os transtornos de ansiedade receberam uma atenção mais detalhada e definições bem mais claras acerca de seus aspectos. Naquela edição, os transtornos como Transtorno de Pânico, Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) foram formalmente reconhecidos, definidos e distinguidos em seus aspectos gerais e particulares.

Paralelamente aos avanços nos sistemas de classificação psiquiátrica, houve um aumento significativo na conscientização pública sobre a ansiedade e outras doenças mentais. De forma complementar a esse entendimento médico sobre a ansiedade, houve avanços na área com estudos comportamentais, outros de psicofarmacologia e a desestigmatização gradual das questões de saúde mental contribuindo para uma maior aceitação e compreensão dos transtornos reconhecidos.

  Nos dias atuais a ansiedade é amplamente reconhecida como uma das condições de saúde mental mais comuns em todo o mundo. Milhões de pessoas sofrem com seus sintomas debilitantes, buscando tratamento através de terapias cognitivo-comportamentais, medicamentos ansiolíticos e outras intervenções terapêuticas. 

A que se salientar, no entanto, que apesar dos progressos realizados, persistem desafios significativos no diagnóstico e tratamento da ansiedade. Muitas pessoas ainda enfrentam o estigma e a falta de acesso a serviços de saúde mental adequados. Além disso, a crescente prevalência da ansiedade em nossa sociedade moderna levanta questões sobre os fatores sociais, econômicos e culturais que contribuem para seu surgimento e perpetuação.

  Em última análise, a jornada da ansiedade ainda é um fenômeno carregado de subjetividade, mesmo sendo uma doença reconhecida, ainda é um testemunho da evolução contínua do nosso entendimento da mente humana e da crescente importância atribuída à saúde mental em todo o mundo. Além disso, ainda há muito a ser feito para enfrentar os desafios associados à ansiedade, mas o reconhecimento de sua existência e impacto é um primeiro passo crucial rumo a uma sociedade mais saudável e solidária. 

A ansiedade patológica é a droga mais destrutiva que a modernidade incorporou ao cotidiano da humanidade. Pois ela está incrivelmente ligada aos hábitos desse tempo. Vivemos uma expectativa de futuro que nunca chega, nunca basta. Uma insatisfação permanente. Uma sede de conquista desmedida e carente de razões racionais.